Correio do Povo
O cineasta Silvio Tendler apresenta seu novo documentário, "Utopia e Barbárie", em que faz uma revisão da política e da economia no mundo desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Com narração de Letícia Spiller e Chico Diaz, o filme traz imagens, vídeos e noticiários de época. O foco apresenta principalmente um viés da esquerda e mostra como muitos sonhos foram caindo ao longo do tempo para os que sonharam com os ideais comunistas. O diretor levou 19 anos para realizar este filme, fazendo entrevistas por 15 países com protagonistas da história, como o General Giap, um dos estrategistas do exército vietnamita, além de testemunhas e vítimas. Ele passa por fatos como a bomba atômica, o Holocausto, o ano de 1968, a Operação Condor, a queda do Muro de Berlim, até chegar à ascensão do neoliberalismo. Sobre a realidade brasileira, ele entrevista vítimas da tortura da ditadura militar, jornalistas, filósofos e sociólogos que passaram pelos anos de chumbo e vivenciaram o período da abertura política. Do período da transição, nos anos 80, se destaca a época da constituinte em 1988, ao mesmo tempo em que se mostra que no mesmo período, na Inglaterra e nos EUA, as eras Margaret Thatcher e Ronald Regan, respectivamente, alteravam o cenário global, dando início ao chamado neoliberalismo. "Enquanto estávamos lutando pela abertura política, eles já estavam selando o rumo da economia mundial", observa Tendler. Cenas hoje tragicômicas, como a de Collor pedindo ao povo "não me deixem só", mostram o quanto o Brasil já teve sonhos e os perdeu.
A candidata à Presidência Dilma Rousseff é uma das entrevistadas brasileiras. Questionado se ele se preocupa com o fato de que isso pode dar motivos para que chamem seu filme de eleitoreiro, como ocorreu com o filme "Lula - O Filho do Brasil", Tendler diz que não. "Escolhi Dilma pela sua história. Além disso, dou a ela o mesmo tempo de exposição do que dei para Ferreira Gullar, que pensa de forma contrária a ela", explica o cineasta, argumentando que estes dois exibiram ao longo da história visões diferentes sobre a esquerda. "Procurei mostrar as razões de cada um." Ferreira Gullar explica, por exemplo, porque não acreditava na luta armada para a oposição à ditadura brasileira. No caso chileno, também acusa a esquerda de ter se dividido e deixado o presidente Salvador Allende isolado, por querer reformas muito rápidas.
O documentário faz uma análise e mostra ainda que, em nome de muitos sonhos "igualitários", houve verdadeiras chacinas em países como China e Cambodja, desacreditando os governos comunistas. Ou seja, Tendler mostra que houve erros tanto de líderes que se diziam da esquerda, como da direita. A grande pergunta agora é, qual a nossa utopia atual? Temos alguma?
O filme também tem uma trajetória autobiográfica, em que o próprio cineasta mostra que ele foi uma pessoa que viveu em 1968, teve seus sonhos e suas decepções. "É um filme sincero", define. Ele faz constantes referências a outros filmes dentro deu seu longa-metragem, como aos clássicos "Roma, Cidade Aberta", "A Batalha de Argel", além de entrevistar cineastas como Amos Gitai (Israel), Fernando Solanas (Argentina) e Cacá Diegues (Brasil), o que enfatiza seu apreço pelo cinema como forma de reflexão. É um filme que se torna uma aula de história. Seu ritmo ágil de edição não permite que seja enfadonho, até porque não esquece uma questão preeminente de vários momentos históricos, a emoção. Um filme que revisa uma época e muitas gerações. Até o momento, é um dos melhores filmes do ano.
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